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Quem sou eu
- Pena Cabreira
- POA, RS, Brazil
- Quando deitado, calado e mudo - da lente do verbo guardado, dentro do cubo do crânio - vejo tudo torto e quadrado.
sexta-feira, agosto 29, 2008
Satolep
Sobre Satolep de Vitor Ramil.
Quem não conhece o tabuleiro de xadrez das ruas da cidade natal de Vitor Ramil, deverá entrar em Satolep com mais cuidado. Escravidão, aristocracia, crueldade e poesia gastaram os paralelepípedos perfeitos de seus calçamentos, tornando-os irregulares para sempre. Os cheiros do fumo (marca Diabo) e do charque marcaram e dividiram as mentes dos homens, inaugurando em tempo perdido a simetria assimétrica de Satolep.
Selbor, o fotógrafo volta à sua cidade, mas nada será igual – ele sabe disso. Nunca voltamos, quando muito, vamos novamente, sobre outra camada de tempo, sobre as mesmas pedras, mais gastas e mais irregulares. A tentativa angustiada de um novo olhar sobre as nunca-mais-mesmas-coisas cria em Selbor o deslocamento de uma intimidade perdida. Uma profunda intimidade perdida.
O trânsito aparentemente naturalista (e genial) do personagem-narrador com personagens reais (marginalizados em sua época – Simões Lopes Neto e Lobo da Costa) e fundamentais à identidade de uma cidade às avessas e atemporal, dão ao romance uma verossimilhança labiríntica envolvente. O jogo da sobrevivência de quem retorna é incerto e não tem regras claras, há armadilhas, perspectivas distorcidas, falsas simetrias...
Uma canção de Sérgio Ricardo diz: “filho que sai da terra, volta diferente, volta trazendo uma vontade dentro...”. Em Selbor esta vontade não é clara, cristalina, há muita serração em Satolep e um bafejo na vidraça para reencontrar a alma; mas há lama, lodo e rosas espinhentas. Há um fatalismo, mas principalmente uma tentativa desesperada de voltar o tempo e salvar uma cidade e suas almas mais queridas.
Entre os florais e as geometrias enganadoras dos pisos hidráulicos a história se oculta e se revela - se apresenta. Assim, sem facilidades. Quando a pegamos por uma de suas tantas pontas, ela se mescla nas escaiolas dos corredores úmidos da arquitetura neoclássica tardia e nos escapa. São as formas como Vitor Ramil nos conta a história de Selbor, ao contrário e pra frente.
Em Satolep a poesia dá o tom, mas a história anda. Ao contrário e pra frente de maneira magistral.
O re-olhar impressionista multifacetado do fotógrafo sobre a massa arquitetônica imperativa, convulsiona e faz-se uma história sob luzes e sombras, reflexos, espelhamentos, paralelismos inconfiáveis e um duplo superior - um irmão mais velho que parte antes - e uma família enclausurada em uma redoma de memória vã. E a certeza amarga de que nascer leva tempo.
O mantra rege o romance: Nascer leva tempo. E vozes guiam: “Tenho sede da chuva lá fora”, versa Lobo da Costa. “A milonga geometriza as coisas”, diz o Compositor. “Para as almas é morte tornar-se água”, intui um pai de fumaça. E Selbor, o fotógrafo, ao amanhecer pede às preciosas casas enfileiradas da rua Paysandú: “Não se mexam”.
Textos e fotografias se complementam em aparente revelia, ou sob lógica própria. As cenas são mudas, mas não há arquitetura sem verbo. Há um conceito circular em espiral no qual Selbor mergulha. Um caminho sem volta? Um círculo incompleto? Simões Lopes ilumina: “Almas querem estar em curso, indo de um lugar a outro, fazendo conexões entre as coisas”.
Trata-se de uma leitura difícil, orgulhosa, “cheia de personalidade”. Não é fácil de entrar, mas depois, impossível abandoná-la, a única saída possível deste labirinto-literatura está na última página do livro. Afinal, o que esperar de uma história que se passa na cidade em que “à noite a Biblioteca Pública não fecha. Não para que os leitores entrem nela a toda hora, mas para que a umidade saia”?
Eu, que nasci na mesma terra do Vitor - por desgraça e privilégio – achei em Satolep, além da belíssima narrativa de trama primorosa, a chave da minha Arca de Blau particular, aquele acervo de lembranças que todos os que nasceram por aqueles pampas carregam dentro de si. E pra quem não é de lá, ou nunca leu Simões Lopes Neto, tá mais do que na hora de ouvir os causos de um certo “gaúcho pobre, Blau, de nome, guasca de bom porte, mas que só tinha de seu um cavalo gordo, o facão afiado e as estradas reais...”, depois ler o Satolep novamente e vice-versa, sempre.
Toda boa literatura tem o poder da transformação e a minha alma pampeana que também “veio do frio”, nunca mais foi a mesma depois de viver Satolep.
Satolep, como já disse Tom Zé a respeito de Os Sertões do Euclides da Cunha, é gibi do bom.
Pena Cabreira.
terça-feira, agosto 12, 2008
Mais Não Editora
Não Editora
Seguinte, ao colocar neste blog o meu conto "O Palanque", acabei cometendo uma infração ética com os amigos da "Não Editora" que o publicaram no seu livro "Ficção de Polpa 2". Claro que foi um ato involuntário e ingênuo, mas mercadológicamente este conto está comprometido com aquela edição e eu nao deveria tê-lo usado em outra mídia. OK, nada de trágico aconteceu, não fui esquartejado, nem sequer incluido em uma lista negra da Não. Para minimizar a minha ignorância divulgo aqui o livro juntamente com o endereço do site da "Não Editora".
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